domingo, 17 de novembro de 2024

A Cúpula do G20 Social não é o fim, mas o começo: participação social é legado incontestável da presidência brasileira do G20


Em um cenário muito distinto das reuniões ministeriais do G20, as bandeiras dos países deram lugar às bandeiras dos movimentos, o terno e gravata aos bonés com as mais diversas siglas e o silêncio protocolar ao barulho da democracia. 

Em um armazém da zona portuária do Rio de Janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, representando as maiores economias do mundo, recebeu a Declaração Final do G20 Social, elaborada pelos grupos de engajamento e pelos movimentos populares. Um texto histórico, clamando por compromissos ambiciosos para superar desafios mundiais profundos.

"Líderes do G20, é hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação que seja efetivamente profunda e duradoura. Compromissos ambiciosos são essenciais para fortalecer as instituições internacionais, combater a fome e a desigualdade, mitigar os impactos das mudanças do clima e proteger nossos ecossistemas. Este é o momento de agir com determinação e solidariedade. Com vontade política e a institucionalização de instâncias como a Cúpula Social do G20, podemos, sim, construir uma agenda coletiva que honre o compromisso com a justiça social e com a paz global", assinala a Declaração.

No palco, lado a lado, autoridades e representantes de movimentos de luta pela terra, pela moradia, pela saúde pública, pela agroecologia, pelo direito das mulheres, das pessoas com deficiência e mais uma grandiosidade de pautas de relevância social. Assistindo o ato, mais de cinco mil pessoas, pintando o G20 de povo. 

Nunca na história do G20 uma presidência cogitou um movimento tão ousado como este, de convocação da sociedade civil a uma participação ativa ao eixos do fórum, comprometendo-se a levar os temas à Cúpula de Líderes. Voltemos ao passado para entender o gigantismo do presente: anos 70, cinco décadas antes do momento que hoje a sociedade civil organizada protagoniza no Rio de Janeiro. Lula era sindicalista, como parte das massas, lutava pela redemocratização do país, vinculado às pautas de justiça social e respeito à cidadania. Com apoio destas massas torna-se presidente.

Hoje, na mais alta incumbência, presidindo o maior fórum de cooperação econômica do mundo, voltou a ser massa e concluiu a promessa ousada que fez em setembro do ano passado, ao receber a coordenação do G20 da Índia, na Cúpula de Nova Delhi. O que, à época, pareceu para muitos algo pouco tangível, agora é uma realidade incontestável

“É muito importante um documento da sociedade civil que vive na sua base, no seu território. A gente tem uma uma nota que diz assim ‘não fale de mim sem mim, faça por mim, comigo’. Então, mudar o mundo tem que ser com as pessoas, da base para cima”, expressou Fátima Silva, da Associação Pamen Cheifa, instituição que trabalha com educação e cultura no Jardim Gramacho, onde funcionou por 35 anos o maior lixão da América Latina.

“Esse é o pontapé inicial para que as pessoas possam ter consciência que o fim da fome é possível, mas é possível quando a gente se mobiliza, quando tem participação social dos povos. Representantes mundiais vão estar aqui e é importante esse tipo de acontecimento [G20 Social] para que as pessoas possam se envolver e ter conhecimento que a justiça do povo está aí, que é a luta popular que vai mudar essa situação mundial”, falou Silvia Jerônimo, do Movimento Sem Terra Leste 1, filiado a União Nacional dos Movimentos de Moradia.

Ambas acompanharam toda a cerimônia, em que o presidente Lula salientou a Cúpula do G20 Social não como o fim de um processo, mas como início de uma nova etapa. “A economia e a política internacional não são monopólio de especialistas e nem de burocratas. Elas não estão só nos escritórios da Bolsa de Nova York ou da de São Paulo, nem só nos gabinetes de Washington, Pequim, Bruxelas ou Brasília. Elas fazem parte do dia a dia de cada um de nós”, enfatizou o presidente, ao celebrar a participação social nos eixos de Finanças e Sherpas do G20.

O recebimento da Declaração do G20 Social, após meses de agendas e dois dias de intensa atividade na zona portuária carioca, com centenas de atividades autogestionadas e mais de 17 mil pessoas presentes, um número que supera a população da maioria das cidades brasileiras, já é em definitivo um dos principais momentos da história do G20.

O país que já foi palco da Eco-92 e da primeira edição do Fórum Social Mundial novamente traduz diversos idiomas a uma mensagem comum: não há chances de um mundo mais justo e de um planeta mais sustentável sem participação popular. Escutar a sociedade civil é fundamental para construção de estratégias de impacto real.

O exemplo está dado aos outros 18 países e duas uniões que compõem o G20: não há de se esperar a sociedade ir até aos governos, é urgente ir até o povo. A África do Sul, também presidida por um ex-sindicalista, já aceitou o desafio. Seguindo uma troika composta pelo Sul Global irá manter a articulação do G20 Social em 2025. Em nome do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o ministro das Relações Exteriores do país, Ronald Lamola, afirmou que o Brasil elevou o patamar de uma presidência do G20 e garantiu que a África do Sul está pronta para o desafio de um G20 Social. “Acreditamos que esta abordagem vai transformar nosso povo de meros espectadores em lutadores ativos por um futuro coletivo”, disse ele. 

Quanto ao Brasil, que no próximo ano recebe o BRICS e a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Lula deu o recado: conta, em suas palavras, com a “força de vontade e o dinamismo da sociedade civil para os dois outros eventos”.