domingo, 22 de agosto de 2021

Falta de documentos pode ser ‘hereditária’. Famílias inteiras sem registro de nascimento

 


Edvando Belarmino do Nascimento só passou a existir para as estatísticas após 28 anos de seu nascimento, em 20 de setembro de 1992. O atendimento com a Defensoria aconteceu em meio à pandemia do novo coronavírus e foi todo realizado de forma remota, com o envio das informações por aplicativos de mensagens do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial (Napi) da Defensoria, em Fortaleza.


O problema da falta de documentação não afetou somente o Edvando, mas toda a família. A cena se repetia com a irmã dele, Aline Nascimento, com os sobrinhos e com a madrinha das crianças, Ana Célia. “A nossa mãe não tinha documentos, sempre trabalhou muito e não teve tempo para fazer isso. Desde que nascemos, ficamos sem registro e isso meio que foi passando para todos”, diz Aline.


Após quase 30 anos sem ter qualquer documentação, o sonho dos irmãos, enfim, foi concretizado após a entrada da ação na Defensoria Pública. No dia 3 de julho deste ano, a família buscou o cartório próximo à residência para emitir o documento. “Enfim chegou o grande dia, consegui levar o Edvando no cartório do Mondubim para se registrar. Finalmente esse sufoco acabou”, comenta Ana Célia, com alegria.


Edvando finalmente poderá dar os primeiros passos na vida com cidadania. Ele relata que não vê a hora de estar com todos os documentos nas mãos. “Poderei agora assinar minha carteira de trabalho, viajar, se vacinar, ir ao hospital. Tudo será diferente”, comemora Edvando.


O que fazer – Quando uma criança nasce, há um prazo legal de 15 dias para realizar o registro de nascimento com a Declaração de Nascido Vivo (DNV), emitida pelo hospital. Este período pode ser prorrogado por mais 45 dias caso a mãe seja declarante. Em algumas maternidades há convênio entre os cartórios e o procedimento pode ser realizado na própria unidade hospitalar logo após o nascimento.

Mas, após esse prazo legal, é necessário entrar com uma ação judicial chamada Registro Tardio. Nela, dependendo quanto tempo foi transcorrido, podem ser anexadas provas como batistério, cartão de vacinação, o relato de testemunhas que conhecem a história e um levantamento realizado junto aos cartórios de registro civil de pessoas naturais para certificar sobre a completa ausência do documento.


“A ação judicial de registro tardio é um recurso para iniciar os encaminhamentos necessários à lavratura do registro civil. Às vezes, identificamos vários membros de uma mesma família sem o registro de nascimento, como foi o caso da família do Edvaldo. É a ausência de cidadania sendo repassada de geração em geração e o nosso trabalho é tentar propiciar a essas pessoas o direito de exercer com plenitude a cidadania”, destaca a defensora pública Natali Massilon Pontes, supervisora do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial (Napi) da Defensoria Pública.


Depois da ação inicial, o processo passa a tramitar nas varas de Registros Públicos. Em Fortaleza, o defensor público Raimundo Pinto de Oliveira Filho é quem faz o acompanhamento dos processos. O defensor esclarece que como todo procedimento judicial, tais ações demandam tempo. Quando a pessoa ainda é criança não causa muito transtorno, mas quando são ações para adultos, como muitos assistidos com mais de 60 anos, o procedimento fica mais complexo.

“Nesses casos, em regra, o conjunto probatório se torna complexo, como os documentos dos genitores, que muitas vezes são falecidos, quase sempre nossos assistidos não têm certidões de nascimento, nem de casamento dos pais, ou ainda não sabem se eles foram casados civilmente. Utilizamos o batistério ou certidão de batismo, com outras provas documentais e testemunhais, que acabam se tornando instrumentos valiosos nos processos de lavratura de registro de nascimento extemporâneo”, contextualiza o defensor público Raimundo Pinto.