O professor de História e gestor público Lucas Maia, de 34 anos, escolheu a educação como um caminho para se conectar mais facilmente às pessoas. Segundo ele, a socialização era algo difícil desde a infância. “Assim que eu me graduei, entrei na Fundação Casa da Esperança, uma instituição de atendimento educacional especializado voltado às pessoas com deficiência. Lá, eu me identifiquei com alunos autistas, e fui atrás do meu diagnóstico. Por sorte, eu trabalhava em contato com profissionais experientes com adultos, experientes com diagnóstico tardio, e tive essa oportunidade”, detalha.
Em 2017, aos 27 anos, Lucas recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista [TEA] no nível de suporte 1. O novo momento na jornada pessoal o engajou na construção de uma sociedade sem capacitismo. “Isso se relaciona à infantilização, ou a ideia de que a pessoa com deficiência é um pobre coitado; alguém que está recebendo castigo divino. Pessoas com deficiência são cidadãos que têm todos os direitos e deveriam ter acesso a todos os espaços que as demais pessoas têm, e que isso pode ser atingido com adaptações razoáveis”, exemplifica.
Em 2020, Lucas se tornou membro da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça) e, posteriormente, membro do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência, chegando a ser eleito presidente do colegiado. Atualmente, ele é coordenador das Políticas Públicas para Pessoa com Deficiência, uma coordenadoria vinculada à Secretaria Estadual dos Direitos Humanos (Sedih), criada em 2023.
“Eu sinto essa responsabilidade. Por isso, eu uso o cordão de girassol, que é um símbolo previsto em Lei como indicação de deficiência oculta, que não é imediatamente visível. Eu tento me lembrar de usar esse cordão todo dia justamente para lembrar quem tiver ao redor da minha condição. O autismo não tem cara, então parte de como eu tento encarar essa responsabilidade é sempre me apresentar como uma pessoa com deficiência”, pontua.
“Autismo não tem cara”
O autismo, de acordo como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades apresentadas em algum nível na comunicação, linguagem e interação social. Segundo o Ministério da Saúde, os sinais podem ser percebidos nos primeiros meses de vida da criança, e o diagnóstico definido por volta dos 2 ou 3 anos de idade. O diagnóstico, por sua vez, é clínico e deve ser feito por uma equipe multiprofissional.
O neurogeneticista pediatra do Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), vinculado à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), André Pessoa, detalha o TEA. “Existem níveis de TEA diferentes. O grau de suporte 1 seria as formas teoricamente mais leves, com uma demanda um pouco menor. As formas de suporte 2 e 3 são onde a demanda é maior, de cuidados, de atividades da vida diária, de comunicação, de uma forma geral”.
A ausência de dados recentes impede que saibamos mais informações atuais sobre esse recorte da população. Segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgado em 2010, no Brasil, há dois milhões de pessoas autistas. Entretanto, os diagnósticos em crianças, jovens e adultos têm crescido nos últimos anos.
Segundo André Pessoa, o diagnóstico precoce e preciso é importante tanto na prevenção de fatores que possam atrapalhar ainda mais o desenvolvimento da criança, sendo um deles a exposição às telas, bem como o encaminhamento às terapias, que é de fator modificável. “O acesso às terapias é o que tem o maior impacto em melhorar o prognóstico dessas crianças. Na sua evolução funcional, de linguagem social, comportamental, até mesmo intelectual”, defende.
Na rede pública de Saúde do Ceará, as crianças e adolescentes autistas contam com atendimento especializado ofertado pelo Núcleo de Atenção à Infância e Adolescência (Naia) do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), da Rede Sesa. Para os adultos, o Governo do Ceará abriu, no início de 2024, o ambulatório de autismo para adultos, também no HSM. O ambulatório é pioneiro na rede pública do Ceará, e dispõe de profissionais especializados incluindo psicólogos e psiquiatras.
Cultura inclusiva
O autismo não é doença, mas um transtorno compreendido como uma deficiência. Segundo a Lei Brasileira de Inclusão, a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Lucas defende que o papel do poder público, e também da sociedade, é eliminar as barreiras, que podem ser físicas, comunicacionais e atitudinais, que são comportamentos e preconceitos que as pessoas podem ter. “Eu prefiro falar do capacitismo estrutural na nossa cultura, porque a barreira atitudinal cria uma ilusão que é muito fácil de derrubar. Mas não é fácil. Isso é capacitismo, que é o preconceito específico contra pessoas com deficiência. A gente tem que questionar e desconstruir para trazer essa igualdade de oportunidades”, aponta.
Nesse sentido, a Coordenadoria atua para viabilizar essa transformação por meio das políticas públicas, de forma descentralizada e transversal. “Estamos nesse diálogo trazendo nossas pautas, garantindo que nossa política seja contemplada por todas as Secretarias. O interessante da Secretaria de Direitos Humanos é que torna a nossa política transversal. Ou seja, todas as outras Secretarias têm que estar atentas à legislação vigente sobre pessoas com deficiência também”, acrescenta.
A transversalidade na gestão pública significa que um tema pode ser tratado entre diversos departamentos (órgãos públicos), facilitando que conhecimentos, recursos e técnicas sejam reunidos em um trabalho de cooperação. Sobre isso, Lucas destaca o papel da educação.
“A educação é fundamental no sentido de ter a educação não só para a preparação de trabalhadores, mas como uma formação de cidadãos. A gente tem uma legislação vigente que garante que a pessoa com deficiência na idade escolar deve estar na mesma turma que as demais crianças. Quando crianças com deficiência e sem deficiência estão convivendo juntas ensinamos a viver em uma sociedade plural e diversa. Isso garante que essas crianças aprendam a reconhecer essas pessoas com deficiência como seus pares; com as devidas adaptações, elas podem estar em igualdade com todos”, acrescenta.
Outra mudança importante foi poder compor na Coordenadoria uma equipe, prioritariamente, com pessoas com deficiência. “A gente prioriza pessoas com deficiência, falando sobre sua política e suas demandas, trazendo nossa perspectiva para o debate. Existe sempre uma demanda por maior acesso ao reconhecimento da nossa humanidade. Isso também é o legal de estarmos na Secretaria dos Direitos Humanos”, conclui.