terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Tribunais deverão destinar a mulheres metade dos cargos e criar banca para cota racial

tribunais deverao destinar mulheres metade cargos criar banca para cota racial

Duas resoluções aprovadas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em dezembro estabelecem regras que buscam ampliar a presença de mulheres no Judiciário e garantir a aplicação das cotas raciais.

As iniciativas se somam a outras medidas de incentivo à diversidade aprovadas pelo órgão ao longo de 2023 e que também passam a valer neste ano.

Em setembro, ainda sob a presidência da ministra Rosa Weber, o CNJ instituiu a alternância de gênero em promoções por merecimento de juízes de carreira na Justiça estadual, federal e do trabalho. A ação afirmativa deverá ser adotada a partir deste mês nas cortes em que houver menos de 40% de juízas de carreira no segundo grau.

Já na sessão de 12 de dezembro, o conselho aprovou outra mudança para que a paridade de gênero também seja adotada nas atividades administrativas dos tribunais.

A nova resolução altera a política de incentivo à participação institucional de mulheres no Judiciário para determinar que os tribunais tenham, no mínimo, 50% de mulheres –o que inclui mulheres transexuais e de gênero fluído– nessas funções.

A regra vale para designações de juízes como auxiliares, preenchimento de cargos de chefia, assessoramento e mesmo de direção, quando forem de livre indicação. Também deve ser aplicada na composição de colegiados, mesas de eventos institucionais e na contratação de estagiários e de empresas prestadoras de serviços terceirizados.

Em seu voto, a relatora da ação, a então conselheira Salise Sanchonete, destacou que a subrepresentação feminina "demanda a implementação de políticas públicas verdadeiramente eficazes e transformadoras, já que o simples decurso do tempo tem se mostrado insuficiente para equilibrar essas desigualdades".

A juíza auxiliar da presidência do CNJ Karen Luise de Souza afirma que a nova regra é um avanço na política de incentivo à participação feminina em posições de liderança e gestão.

"É um passo significativo para atingir a igualdade de gênero e a representatividade feminina em espaços tradicionalmente ocupados por homens, promovendo justiça, equidade e enriquecendo o processo de tomadas de decisões", diz.

Sanchonete afirma que, ao contrário da regra de gênero para promoções, a mudança não enfrentou resistência.

O presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, dialogou com as cortes para chegar a um consenso para aprovação da regra, que passa a valer em março.

Com isso, tribunais que mudam de presidência no início deste ano, caso do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), por exemplo, não serão afetados de imediato.

A resolução dá ainda parâmetros para o banco de dados do CNJ para seleção de mulheres com experiência no Judiciário e na academia. A inscrição é voluntária e as cortes também podem criar sistemas próprios.

Outra resolução, aprovada na última sessão do conselho em 2023, estabelece regras para a criação de comissões de heteroidentificação em concursos públicos do Judiciário.

Em novembro, o CNJ aprovou um novo exame nacional para ingresso na magistratura. Negros e indígenas terão uma nota de corte diferenciada de 50%, enquanto os demais concorrentes deverão acertar ao menos 70% das questões da prova. Os cotistas deverão passar por comissão de heteroidentificação do Tribunal de Justiça do estado de seu domicílio antes do exame.

A normativa aprovada agora passa a valer em abril e estabelece os parâmetros para o funcionamento dessas comissões e de demais concursos.

Os grupos serão compostos por cinco integrantes com maioria negra. Entre os requisitos está a formação em um curso sobre relações raciais e enfrentamento ao racismo. A resolução também cria um banco de dados para cadastramento de profissionais interessados em compor as bancas.

O procedimento de heteroidentificação levará em conta o fenótipo dos candidatos, observando cabelo, tom de pele, nariz e boca.

Na primeira etapa, isso será feito por meio de fotos coletadas no momento da inscrição no concurso.

Candidatos cuja autodeclaração não for confirmada serão convocados para a segunda etapa, com verificação presencial ou telepresencial. Aqueles que não comparecerem ou forem reprovados perderão o direito às cotas, mas poderão disputar as vagas de ampla concorrência.

"A resolução é um passo importante para a consolidação e aprimoramento da política de cotas", diz a secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, para quem o texto é resultado do diálogo com a sociedade civil.

Como a Folha mostrou, só 2 em cada 5 vagas para negros foram preenchidas na Justiça estadual e nenhuma na federal em concursos concluídos desde junho de 2015, quando o CNJ aprovou a reserva de ao menos 20% das vagas para candidatos autodeclarados negros.

Para especialistas ouvidos pelo jornal, as ações afirmativas criadas no novo exame nacional são necessárias, mas o formato da avaliação precisará ser revisto para que o número de negros e indígenas aprovados aumente.

ENTENDA AS RESOLUÇÕES APROVADAS PELO CNJ PARA DIVERSIDADE:

  • Alternância de gênero: aprovada em setembro, a resolução estabelece que tribunais com menos de 40% de juízas de carreira no segundo grau deverão adotar, de modo alternado, listas exclusivas de mulheres para vagas pelo critério de merecimento até que o percentual seja atingido. A regra passa a valer a partir de janeiro.

  • Exame nacional: em novembro, foi aprovada a criação de uma prova nacional de caráter eliminatório como um pré-requisito para candidatos a concurso da magistratura. O exame terá 50 questões e será aplicado anualmente. Candidatos negros e indígenas serão aprovados com 50% de acertos na prova. Para os demais, a nota de corte será de 70%.

  • Cota para funções administrativas: em dezembro, outra resolução do CNJ instituiu que tribunais deverão destinar a mulheres 50% das vagas de funções administrativas, o que abrange vagas para juízes auxiliares, cargos de chefia, estágio e participação em mesas de eventos. A medida deve ser adotada a partir de março.

  • Bancas de heteroidentificação: também em dezembro foi aprovada a resolução que estabelece os parâmetros para composição e funcionamento das bancas de heteroidentificação nos tribunais para aplicação de cotas raciais. A normativa passa a valer em abril.