sexta-feira, 19 de junho de 2020

Desrespeito à fila do Sistema Nacional de Adoção faz com que bebê seja disputado judicialmente em Quixadá


A espera pelo filho já dura mais de cinco anos. “Quando nos habilitamos no Sistema Nacional de Adoção (SNA) não fazíamos ideia de que ia demorar tanto para ter a nossa família completa, mas sabíamos que era a forma correta e a mais segura para nos tornarmos pais”, relata Paula*, que está envolvida juntamente com outra família em um imbróglio no processo de adoção, em Quixadá, Sertão Central do Ceará.

A situação começou quando um bebê de dez meses, vítima de negligência, foi habilitado no Sistema Nacional de Adoção (SNA), após a destituição do poder familiar, processo que retira dos pais biológicos os deveres perante a criança. No entanto, ao invés da criança ser destinada para uma unidade de acolhimento, ela já foi entregue pelo Conselho Tutelar a uma família substituta que estava em 8o lugar na fila de pretendentes para adoção da cidade, sem respeito a fila de cadastramento que é prioritária em todo país.

“Recebi a ligação no dia 23 de abril falando que encontraram uma criança dentro do nosso perfil e perguntaram se estávamos disponíveis para recebê-la. Imediatamente eu respondi que sim e ainda formalizei por e-mail a decisão, nos deram 24 horas para a criança chegar aqui em casa, mas ela não vinha. Foi quando o pessoal do Fórum nos informou que havia acontecido um problema e que o meu filho estava na casa de uma outra família também cadastrada no SNA. Só aí fui entender o que tinha acontecido, mas até hoje eu não sei porque o Conselho Tutelar não respeitou a fila”, conta a mãe que estava na fila no 2o lugar no SNA e foi contactada após a primeira família no cadastro disse não haver interesse.

Após decisão judicial, a criança chegou a ser entregue para Paula*, mas só ficou oito dias na casa da família. O outro casal, que havia ficado anteriormente com o bebê por cerca de 40 dias, recorreu da decisão no Tribunal de Justiça do Ceará que concedeu habeas corpus determinando o retorno da criança para a família. Foi quando Paula procurou pela Defensoria Pública em Quixadá, providenciou a documentação necessária para reverter a liminar concedida pelo Tribunal de Justiça e conseguiu reaver a criança, ontem (17), após decisão do desembargador Emanuel Leite Albuquerque, da 1ª Câmara de Direito Privado.

O defensor público Júlio César Matias Lobo, titular na cidade, deu assistência à família. “O nosso entendimento é a ordem das habilitações deve ser respeitada e a criança seja entregue ao casal que tem prioridade, ou seja, que está em primeiro lugar na fila do SNA. Esse é o mesmo entendimento do Ministério Público, até porque como o período de relacionamento com a família foi curto e trata-se de um bebê, os órgãos entendem que a criança ainda não desenvolveu vínculo afetivo forte a ponto de nos fazer ignorar a existência de um cadastro de pretendentes”, destaca o defensor público.

A atuação se deu em conjunto com o Ministério Público, que já instaurou um inquérito para apurar responsabilidades. “Há um cadastro de adoção plenamente em vigor na comarca de Quixadá, que deve ser respeitado, tanto em obediência à Lei 8069/1990 e aos seus princípios, como também em respeito às pessoas previamente nele cadastradas, que sonham em realizar o sonho de adotar uma criança.”, sustentou a promotora de Justiça Cibelle Nunes.

Mesmo com habeas corpus determinando a imediata entrega da criança para Paula e seu marido, o bebê ainda não chegou. “Estamos todos ansiosos pra que ele volte logo para casa. É aqui que ele deve ficar. Só lamento, porque nessa confusão toda nenhuma das duas famílias têm culpa. Sofro eu do lado de cá e a outra mãe que também está esperando pelo filho chora por lá. Eu espero que ele venha logo para os meus braços, porque eu já não durmo mais sofrendo com isso”, completa Paula.