Por Roberto Moreira
O desempregado, analfabeto e abandonado, Antônio Carlos da Silva, nasceu no Pirambu. Não estudou. Desde criança, vive na rua como pedinte. É viciado em drogas. “Uso do crack à cocaína. O que me dão, uso”, conta abertamente. Sem esconder a razão: “A vida na rua não oferta além disso.
Aos 62 anos, Antônio não olha para o futuro. “Vivo cada dia como se fosse amanhecer morto. Nós da rua não temos nada, nem mesmo um lençol ou cobertor”, lamenta. Antônio dorme no Jardim Japonês, na Beira-Mar, área do metro quadrado mais valorizado do Ceará. “Com as obras na praia, tô, também, dormindo pela Praia de Iracema”. A razão da mudança é óbvia: sem movimento de pessoas pelo calçadão, não tem esmola.
“Construímos um hotel para 200 moradores de rua na avenida Dom Manuel, no Centro de Fortaleza, com todo conforto, e um restaurante, na Padre Mororó, onde fornecemos, gratuitamente, almoço e sopa, à noite. Esse negócio de situação de rua é balela, eles são realmente moradores de rua e abandonados. Abraçamos a todos eles, com carinho, solidariedade e amor. Vamos, aos poucos, oferecendo o conforto e transformado todos eles. Os jovens estamos encaminhando para a escola, ensino profissionalisabre, após alfabetizar, e os idosos estamos cuidando, oferecendo tratamento, descanso, remédios, roupas e abrigo”, conta o secretário.
Mas, quantos moradores de rua temos no Ceará e em Fortaleza? As estatísticas são precárias. As prefeituras fornecem alguns dados, muito pouco para um estudo mais completo.
Em Fortaleza, a Prefeitura tem um cadastro, onde aparecem mais de 1.600 nomes. “Estamos, agora, fazendo um censo. O trabalho começa em novembro. Teremos todas as informações sobre eles”, adiantou Elpidio Nogueira.
E uma rede de solidariedade, existe? São muitas as entidades e voluntários que se preocupam com a causa dos moradores de rua. Todos os dias, grupos levam sopas, pães, roupas e remédios para centenas deles na Beira-Mar, Aldeota, Centro e bairros da periferia.
Nos mutirões para socorrer toda essa gente desabrigada, têm entidades que socorrem no dia a dia, estendendo o braço às ações da Prefeitura. A CDL, as igrejas católica e evangélicas, centros espíritas, alguns abnegados anônimos e uma empresa, a Cimento Apodi.
Todos preferem o anonimato. Não falam, por considerar a tarefa de ajudar o suficiente nesse processo.
Os moradores de rua se multiplicam no bairro mais chique de Fortaleza, o Meireles. Eles também se hospedam nas ruas da Aldeota, Mucuripe e Dunas. Onde os ricos estão, eles também ocupam uma faixa do território.
Um sentimento de revolta aflora nos mais abastados. Quem tem dinheiro é abordado na porta de casa, no supermercado, na barraca de praia, na porta do restaurante. O morador de rua, o pedinte sabe que não pode ser hostilizado. A priori, a lei proteje, única realidade tangível na relação que mistura, muitas vezes, hostilidade e indiferença.
Viver um cotidiano de absoluta miséria não é fácil para um morador de rua. Fechado há algum tempo para reforma, o Jardim Japonês, homenagem da ex-prefeita e hoje deputada federal, Luizianne Lins, aos imigrantes japoneses, até pouco tempo, era local de dormida para moradores de rua. Sem acesso, eles estão dormindo embaixo das árvores, em meio às mesas e cadeiras das barracas da Beira-Mar.
No passeio, entre caminhadas e corridas, os ricos cruzam com moradores de rua a todo instante. Eles dormem na calçada dos luxuosos hotéis, em cima de pedaços de madeiras e papelão, se vestem com roupas rasgadas, velhas, exalam mal cheiro. Afirmam não ter nada. Só a humanidade.
“A mesma Fortaleza moderna, vista como a grande metrópole, esqueceu a sua identidade do passado, quando era aldeia, e parece não se reconhecer no presente. Se os ricos e pobres estão distantes socialmente, o que dizer da distância social entre os ricos e os que vivem na extrema pobreza? Aqueles que estão nas ruas, dormindo em bancos de praças, a espera dos afortunados, esperando uma ajuda ou auxílio. Eles acreditam que os afortunados irão lhe dar mais esmolas, e, por isso, costumam vagar pelas ruas de Fortaleza. Portanto, uma cidade do porte de Fortaleza, vista como metrópole, e que tem o desenvolvimento que privilegia o território e o capital, não pode esquecer o ser humano e sua sobrevivência.”
*Emanuela Sales dos Santos, autora da pesquisa “Moradores da Praça do Ferreira, o que fazem, como vivem e porque se encontram nas ruas”
• Desmoronamento do estado
“Os moradores de rua e mendigos retratam o aumento da pobreza resultante do desmoronamento do Estado na Era do Neoliberalismo e das mudanças no mundo do trabalho. No país, a inexistência de redes eficazes de proteção social agravam ainda mais tal problemática, visto que tais políticas se caracterizam historicamente pela seletividade e descontinuidade”.
Valney Rocha Maciel, autor da pesquisa “Os Herdeiros da Miséria: o cotidiano de mendicância no Centro de Fortaleza
• Pesquisa nacional traçou o perfil da população em situação de rua no ano de 2008
a) 82% das pessoas em situação de rua são homens;
b) 67% são negros;
c) 52% estão no mercado informal – 27,5% como catadores de lixo, 14,1% como flanelinhas, 6,3% na construção civil, 4,2% na limpeza e 3,1% trabalham como carregadores e estivadores.
d) Apenas 15% é pedinte;
e) 25% das PSRs afirmaram não possuir documentos pessoais, um obstáculo para o exercício de direitos, notadamente emprego e cidadania.
*A pesquisa apontou, ainda, quais os principais motivos que levam à situação de rua:*
a) 35,5% alcoolismo e/ou drogas;
b) 29,8% perda do emprego;
c) 29,1% conflitos familiares.
• A procedência maciça da população em situação de rua é de áreas urbanas (72%), não sendo razoável qualquer assertiva do êxodo rural como elemento motivador.
• 48,8% está há mais de dois anos dormindo nas ruas e/ou em equipamentos/serviços voltados ao acolhimento dessas pessoas.
• 60% dos entrevistados são egressos de internações e/ou institucionalizações, tais como abrigos institucionais, orfanato, casa de detenção e hospitais psiquiátricos.
• 40% dos entrevistadas não possuem mais vínculos com a família, apesar de 51,9% possuir parentes na mesma cidade. 10% permanece com familiares, também, em situação de rua.
*Principais vivências de discriminações sofridas pelas pessoas em situação de rua:*
a) 29,8% em transportes coletivos;
b) 18,4% em serviços de saúde.
• Aparência pessoal e a higiene corporal são os fatores estigmatizantes mais significativos, sendo, também, apontados como o maior obstáculo para o acesso às políticas públicas.