O
julgamento que pode cassar o mandato do prefeito de Iguatu, Roberto
Filho (PSDB), e do vice-prefeito, Francisco das Frutas (PSDB), ganhou
novos contornos após o pedido de vista da presidente do Tribunal
Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), desembargadora Maria Iraneide.
O placar parcial no tribunal está em 3 a 2 pela cassação. O caso
se tornou um dos mais emblemáticos do interior do Estado por
envolver supostos vínculos entre política local e o crime
organizado.
A
ação julga denúncias de abuso de poder econômico e captação
ilícita de sufrágio durante a campanha municipal de 2024. Segundo a
acusação, a chapa teria se beneficiado de um esquema de
intermediação com facções criminosas, articulado por uma advogada
que, segundo investigações, mantinha relações próximas com
integrantes do Comando Vermelho (CV) em Iguatu.
O
ponto central das investigações é a figura de Márcia Rúbia
Batista Teixeira, advogada e influenciadora digital, presa em
setembro do ano passado, durante a segunda fase da Operação
Tempestade, que teve como objetivo combater crimes de organização
criminosa e tráfico de drogas no município de Iguatu. Márcia Rúbia
passou a ser apontada como o elo entre o grupo político do atual
prefeito, Roberto Filho e Thiago Oliveira Valentim, o “Thiago
Fumaça”, apontado pela Polícia Civil do Ceará como uma das
lideranças do CV na região Centro-Sul.
Coincidentemente,
em 19 de setembro deste ano, Thiago Oliveira Valentim, apontado como
elemento central na denúncia que gerou a Ação de Investigação
Judicial Eleitoral contra o prefeito de Iguatu, foi assassinado no
bairro Serrinha, em Fortaleza. A Secretaria da Segurança Pública do
Governo do Estado informou que continua investigando o caso.
De
acordo com o relatório da Polícia Civil, um acordo teria sido
firmado em agosto de 2024, no início da campanha eleitoral, prevendo
o repasse de R$ 10 mil à facção em troca de apoio político nas
áreas sob o domínio do tráfico, principalmente no bairro Santo
Antônio, considerado área estratégica por reunir um dos maiores
colégios eleitorais da cidade.
Interceptações telefônicas revelam supostas conversas em que Márcia Rúbia orienta apoiadores a “mobilizar o pessoal do bairro” e a organizar cabos eleitorais com o aval de traficantes locais. Em troca, haveria compromissos de favorecimento e continuidade de influência em áreas vulneráveis, onde o poder público enfrentava dificuldade de atuação direta.
Na primeira instância, a 13ª Zona Eleitoral de Iguatu chegou a cassar o mandato do prefeito e do vice, determinando novas eleições e aplicando multa de R$ 30 mil à coligação. A decisão foi revertida posteriormente, mas o caso subiu ao TRE-CE, sob relatoria do desembargador Wilker Macedo Lima, que ao analisar o caso, votou pela condenação dos dois políticos – prefeito e vice – com a cassação dos diplomas, inelegibilidade por oito anos, aplicação de multa e a realização de nova eleição em Iguatu.
Na retomada do julgamento, nesta terça-feira (11), dois desembargadores – Durval Aires e Daniel Carneiro seguiram o voto do relator, ou seja, pela cassação dos mandatos.
“Longe
de se limitar numa análise formal, a peça desce aos detalhes e
reconstrói de forma concatenada e coerente a arquitetura de um
esquema ilícito investigado, destacando a existência de um núcleo
financeiro, logístico e político eleitoral, todos interligados, e
voltados à sustentação irregular da campanha majoritária. Não
para nenhuma dúvida sobre a existência de uma estrutura paralela de
financiamento espúrio e logístico eleitoral, operada a partir do
escritório da advogada Márcia Rúbia Batista Teixeira”, frisou o
desembargador Durval Aires.
O
desembargador, Daniel Carneiro também enfatiou a influência da
advogada Márcia Rúbia Teixeira, inclusive com o uso de seu
escritório como núcleo de apoio à campanha dos investigados. “O
referido escritório se consolidou sim como verdadeiro ponto
estratégico de articulação política e operacional da campanha.
Observou-se ainda uma presença constante do candidato no local,
inclusive em finais de semana feriados, o que evidencia uma
permanente articulação em favor de sua candidatura”, pontuou.
Os desembargadores Luciano Nunes e José Maximiliano Cavalcante discordaram do parecer do relator e opinaram pelo desprovimento do recurso, considerando a falta de provas robustas para a condenação dos dois investigados.
Investigadores e analistas apontam que o caso expõe um modus operandi comum em cidades médias do interior, onde o crime organizado se aproveita da fragilidade institucional para exercer influência política e territorial. Em Iguatu, essa relação parece ter se manifestado de forma mais explícita: líderes comunitários, ligados informalmente a grupos criminosos, teriam atuado como cabos eleitorais em troca de “apoio” logístico e proteção durante a campanha. Com o pedido de vista da presidente do TRE, o processo deve ser retomado nos próximos dias.