Por Antonio Magalhães*
Um movimento esquisito toma conta deste país de esquisitices regionais. Uma parcela da população de Santa Catarina não quer receber migrantes nordestinos. Alega que iria sobrecarregar os serviços públicos e aumentar a violência urbana. No entanto, o êxodo do Mundo do Bolsa-Família para o Mundo do Emprego, queiram ou não queriam os catarinenses, vem acontecendo há muito tempo, apesar da reação: cerca de 600 mil imigrantes interestaduais chegaram no estado entre 2017 e 2025, a maioria vinda do Nordeste, segundo o IBGE.
É de estranhar essa resistência xenófoba, uma vez que a população de catarinenses ou “barrigas-verdes” é formada por imigrantes estrangeiros vindos há pelo menos 200 anos da ilha portuguesa dos Açores e de países de galegos, Alemanha, Áustria, Polônia. E este mesmo estado já abriga uma colônia substancial de nordestinos que vem dando uma eficaz contribuição econômica e cultural. Embora tenha que enfrentar uma inserção desigual nos empregos e estigmas relacionados à classe, à raça e à origem regional, que configuram situações de discriminação e preconceito.
Recentemente, o movimento anti-nordestino radicalizou. Em agosto passado, um vereador de Joinville apresentou um projeto de lei para restringir a migração de nordestinos para o estado. O segmento contrário aos fugitivos do Mundo do Bolsa-Família acha que a nova onda de habitantes de estados dominados pela esquerda pode provocar um impacto na identidade e nos valores conservadores dos catarinenses, votantes majoritários na direita.
Os “barrigas-verdes” mais radicais alegam até que esta migração vem sendo estimulada pela esquerda para infiltrar militantes na sociedade local, numa tentativa de favorecer mais adiante, com paciência, ao campo político que hoje controla os governos do Nordeste. Mas quem pensa assim não segue o raciocínio curiosamente explicitado pelo presidente Lula, de que o trabalhador que começa a ter um padrão de vida melhor, deixa de votar no PT. O que pode ser o caso, no futuro, até desses supostos infiltrados.
A campanha contrária aos nordestinos aparece em vídeos e postagens, com figuras públicas de Santa Catarina expressando críticas à migração, usando termos como “favelão” para se referir a possíveis consequências do aumento de migrantes. O movimento vem pedindo a suspensão da chegada desses migrantes sob a alegação de que “eles são como os muçulmanos na Europa. Vão tocar o terror para destruir o Estado mais bem arrumado do país”.
O “paraíso” anunciado no Mundo do Emprego, com renda acima da média nacional, estimula a migração de nordestinos em busca de uma vida melhor, mas também deixa muita gente arrepiada com a situação, como o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello.
“Daqui a pouco, se o negócio não funcionar muito bem lá para cima, nós passamos uma trena para o lado de cá e fazemos ‘o Sul é nosso país’, né?”, disse o chefe do governo. Mas alegou depois que foi em tom de brincadeira. Contudo, a ideia separatista não é nova. Há mais de 30 anos o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná querem formar uma nação de ricos. O país da pobreza, para eles, é o Nordeste.
A submissão dos nordestinos aos insultos e preconceitos associados à origem regional em terras sulistas, é resultado de governos estaduais incompetentes, com apoio de autoridades federais, responsáveis por manter a maioria do nosso povo em situações econômicas precárias e dependentes da esmola oficial. O Nordeste é o Mundo do Bolsa-Família que alguns querem fugir e são discriminados no Mundo do Emprego. Triste Brasil. Triste Nordeste. É isso.
*Jornalista
(blog do Magno)