A violência sofrida por um entregador de aplicativo no último dia 10 de agosto, no bairro Meireles, em Fortaleza, levou o deputado federal Célio Studart (PSD/CE) a apresentar o Projeto de Lei 4351/2025, que estabelece uma série de medidas protetivas e reparatórias para trabalhadores que atuam em plataformas de entrega, como iFood e Rappi. O texto da proposta responde diretamente a episódios de agressões e humilhações que esses profissionais enfrentam em todo o país.
Um dos casos que motivou o projeto teve grande repercussão: um entregador foi brutalmente agredido por um cliente dentro da portaria de um condomínio, após uma discussão relacionada ao pagamento. A vítima sofreu ferimentos no rosto e na cabeça, precisando de atendimento médico. Dias depois, em Jacarepaguá (RJ), outro entregador foi baleado no pé por um policial penal, após se recusar a subir com o pedido até o apartamento. O policial sacou a arma durante a discussão, registrada em vídeo, e efetuou o disparo, mesmo diante da recusa pacífica do trabalhador. Ambos os episódios geraram indignação pública e protestos da categoria.
Para Célio Studart, esses episódios escancaram a rotina de risco enfrentada por milhares de trabalhadores. Segundo pesquisa do Cebrap em parceria com a Amobitec, cerca de 385 mil pessoas atuam como entregadores no Brasil. Um estudo do projeto Caminhos do Trabalho (Fundacentro + UFBA) aponta que 58,9% desses profissionais já sofreram algum tipo de acidente, assalto, agressão ou violência — percentual que chega a 63,6% entre motociclistas. Em 2024, o iFood registrou mais de 13 mil denúncias de ameaça e agressão física; cerca de 16% estavam relacionadas à recusa de subir até apartamentos.
Diante desse cenário, o projeto de lei de Studart propõe que as empresas de aplicativo sejam responsabilizadas solidariamente por qualquer tipo de violência ou dano sofrido pelo entregador durante o trabalho, incluindo agressões físicas, morais, patrimoniais, psicológicas ou até sexuais. Se o entregador for agredido por um cliente, a empresa deverá indenizá-lo diretamente, podendo, depois, acionar judicialmente o agressor para reaver os valores. Essa responsabilização solidária tem como objetivo garantir uma reparação imediata e efetiva à vítima, sem que ela precise esperar anos por uma decisão judicial.
Além da indenização, o projeto determina que, caso o entregador utilize o Sistema Único de Saúde (SUS) após a agressão, o agressor será obrigado a ressarcir todos os custos ao Estado, incluindo despesas com internação, reabilitação e atendimento médico. O texto também exige que as empresas ofereçam seguro obrigatório, sem franquia, para todos os entregadores cadastrados. Esse seguro deverá cobrir acidentes pessoais, invalidez temporária ou permanente e morte, desde que o sinistro ocorra durante o período de retirada ou entrega de produtos.
Além disso, a lei determina que tanto as plataformas quanto os estabelecimentos parceiros (como restaurantes e lojas) garantam o acesso dos entregadores a banheiros e água potável durante o expediente. O descumprimento dessa obrigação poderá gerar multas administrativas, que variam de R$ 500 a R$ 5.000 em caso de reincidência. Os valores arrecadados serão destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Em situações em que o cliente exigir do entregador um deslocamento adicional — como subir escadas, entrar em áreas restritas ou andar além do percurso previsto —, o projeto prevê a cobrança de uma taxa extra, que deverá ser repassada integralmente ao trabalhador. As empresas também deverão disponibilizar uma página digital gratuita e acessível para denúncias, tanto por parte dos entregadores quanto dos consumidores. Essa plataforma deverá permitir o envio de fotos, vídeos e áudios que possam embasar investigações policiais e ações judiciais.
O projeto ainda autoriza as empresas a suspender o uso da plataforma por até cinco anos a consumidores ou entregadores que tenham praticado agressões ou condutas danosas, com possibilidade de prorrogação em caso de reincidência. A medida visa proteger os trabalhadores e promover um ambiente mais seguro para todos os envolvidos na cadeia de entregas.
A justificativa do projeto baseia-se no princípio da responsabilidade civil, segundo o qual quem causa um dano deve repará-lo — e, neste caso, as empresas têm o dever de proteger seus prestadores de serviço e oferecer suporte diante de qualquer violação de direitos.
“Cada entrega carrega não só um pedido, mas a dignidade de quem pedala ou pilota para viver. Nosso projeto garante que, diante da violência, o agressor responda integralmente, e que a sociedade não seja obrigada a pagar por crimes alheios. Os autores de infrações arcarão com os custos e terão suas contas limitadas nos aplicativos”, afirma o deputado.