sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Mêntore Bank não é banco, confirma Banco Central

Imagem com o logotipo do Mentore Bank, um carimbo vermelho com os dizeres 'Não é Banco – Diz BC' e um print da certidão oficial do Banco Central do Brasil. A imagem destaca a confirmação de que o Mentore Bank não tem autorização para operar como banco ou instituição financeira, sendo apenas uma Instituição de Pagamento.

Como parte do processo investigativo, o primeiro lado a ser procurado foi o próprio Mêntore Bank, que não respondeu. (Imagem: Reprodução WEB/Canvas)

Economic News Brasil recebeu uma denúncia de que o Mêntore Bank estaria utilizando indevidamente os termos “banco”, “banco digital” e “instituição financeira” em sua comunicação, sem a devida autorização do Banco Central do Brasil. Após uma investigação aprofundada, foi constatado que a empresa não é reconhecida pelo órgão regulador como um banco, mas sim como uma instituição de pagamento. Essa situação reforça a necessidade de esclarecer a diferença entre bancos digitais e fintechs, além de alertar para a importância da transparência nas denominações das empresas financeiras.

O Uso Indevido da Denominação “Banco Digital” pelo Mêntore Bank

Para a devida apuração dos dados, nossos jornalistas realizaram diversas pesquisas e levantaram informações sobre o universo das fintechs e dos bancos digitais no Brasil, incluindo suas estruturas de funcionamento e regulamentações. Esse estudo detalhado foi fundamental para entender os limites regulatórios de cada tipo de instituição e identificar possíveis irregularidades na atuação do Mêntore Bank.

Questionamentos ao Mêntore Bank Não respondidos

Como parte do processo investigativo, o primeiro lado a ser procurado foi o próprio Mêntore Bank, buscando esclarecimentos necessários sobre sua estrutura de operação, denominação e regularização. Para isso, encaminhamos uma série de perguntas formais à empresa, abordando os seguintes pontos:

  • O Mêntore Bank possui autorização do Banco Central para operar como banco comercial, banco múltiplo ou outra categoria?
  • A aprovação do Mêntore Bank pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi obtida? Caso afirmativo, qual foi o processo seguido?
  • Qual é o código do Mêntore Bank no Banco Central?
  • O Mêntore Bank cumpre os requisitos de capital mínimo exigidos pelo Banco Central? Qual é o valor do capital social registrado?
  • Qual o volume médio de transações mensais do Mêntore Bank declaradas ao Banco Central?
  • O Mêntore Bank reporta operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras(COAF)? Caso sim, quais são os principais tipos de operações comunicadas?
  • Como o Mêntore Bank se adapta à regulação e supervisão do Banco Central? Quais procedimentos de compliance e auditoria são adotados?
  • Como é estruturada a governança do Mêntore Bank? Há comitês de auditoria e risco conforme exigido pelo Banco Central?
  • Qual a origem dos recursos utilizados para a constituição e operação do Mêntore Bank?
  • Os controladores e administradores do Mêntore Bank passaram pela avaliação de reputação e qualificação técnica do Banco Central?
  • O Mêntore Bank já passou por alguma fiscalização recente do Banco Central? Se sim, houve alguma recomendação ou ajuste solicitado?
  • O Mêntore Bank já foi alvo de alguma investigação ou questionamento regulatório envolvendo suas operações?
  • O Mêntore Bank possui certificações ou auditorias externas que garantam sua conformidade com normas bancárias?

Os e-mails com essas questões foram enviados ao Mêntore Bank nos dias 25 e 26 de fevereiro de 2025, sem qualquer resposta oficial da empresa.Tentativas adicionais de contato pelo WhatsApp também foram ignoradas, com exceção de uma mensagem do CEO, Vanderson Aquino, que respondeu apenas com ameaças de ações judiciais contra o portal:

“Nossos escritórios de advocacia vão tomar as medidas necessárias”, disse o CEO do Mêntore Bank.

A partir daí, acendeu a luz vermelha e passamos a não entender o motivo de sua reação, querendoimpedir nosso exercício profissional. Nossos jornalistas questionaram: como um representante de um suposto banco digital (Mêntore Bank), que parece tão organizado, pode responder assim?

Em outra mensagem, o CEO do Mêntore Bank afirmou que sua empresa era igual ao Nubank e ao C6 Bank, alegando que todas as instituições de pagamento estavam autorizadas pelo Banco Central a utilizar o termo Banco. Ainda afirmou que poderíamos fazer a consulta diretamente ao Banco Central do Brasil para confirmar essa informação.

Diante dessa reação, o Economic News Brasil recorreu à Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011) para obter uma resposta oficial do Banco Central do Brasil sobre a real situação do Mêntore Bank.

A Resposta do Banco Central sobre o Mêntore Bank

Banco Central respondeu oficialmente, esclarecendo que Mêntore Bank não é um banco digital, tampouco uma instituição financeira. Segundo o órgão regulador, a empresa está classificada como uma Instituição de Pagamento (IP)e possui um pleito de autorização pendente para operar como emissor de moeda eletrônica.

A resposta destacou que, enquanto esse pedido de autorização não for deferido, o Mêntore Bank pode continuar desenvolvendo suas atividades na categoria de instituição de pagamento. No entanto, conforme a Resolução BCB 80, de 2021, tais empresas não podem se autodenominar bancos digitais. Ademais, o artigo 5º, § 4º, II, da mesma resolução, determina que o Mêntore Bank deve deixar claro, tanto em seus canais de comunicação (site, redes sociais etc.) quanto nos de atendimento a clientes e usuários, sua condição de instituição de pagamento.

Mesmo diante dessa determinação do Banco Central, o Mêntore Bank continua se intitulando em seus canais como Banco Digitalcontrariando a regulamentação vigente, podendo, potencialmente induzir os consumidores ao erro.

Adicionalmente, verificou-se que o Mêntore Bank não possui qualquer número de registro no Banco Central como instituição financeira, reforçando que não está apto a realizar operações bancárias tradicionais.

Resposta Oficial do Banco Central sobre o Mêntore Bank:

Resposta oficial do Banco Central do Brasil sobre o Mentore Bank. O documento esclarece que a empresa é uma Instituição de Pagamento, sem autorização para operar como banco ou qualquer outra instituição financeira. A resposta menciona a regulamentação aplicável e informa que o pleito de autorização da empresa para atuar como emissora de moeda eletrônica ainda está em análise.
A Mêntore não é um banco ou outro tipo de instituições financeira, está enquadrada como instituição de pagamento, diz Banco Central.

Evidências das Redes Sociais e do Site do Mêntore Bank

Durante a investigação, foram coletadas provas de que o Mêntore Bank continua se apresentando como banco digital em suas redes sociais e em seu próprio site oficial.

Capturas de tela das redes sociais e site oficial do Mentore Bank, onde a empresa se apresenta como 'banco digital'. As imagens mostram perfis no LinkedIn, Instagram, Facebook e YouTube, além da página principal do site da empresa, reforçando o uso da denominação 'banco digital', contrariando a regulamentação do Banco Central.
Imagem reprodução das redes sociais Mêntore Bank apontando o uso indevido de Banco Digital.

Certidão Negativa do Mêntore Bank no Banco Central

Outro documento relevante obtido durante a apuração foi a Certidão Negativa do Banco Central, que confirma que o Mêntore Bank não é reconhecido como banco ou instituição financeira pelo órgão regulador. Essa certidão reforça que a empresa não possui autorização para realizar atividades bancárias.

Certidão emitida pelo Banco Central do Brasil em 27/02/2025, confirmando que o Mentore Bank nunca esteve autorizado a operar como banco ou qualquer outra instituição financeira. O documento informa que a empresa é apenas uma Instituição de Pagamento e está credenciada apenas como participante do PIX.
Certidão atesta que o Mêntore Bank nunca teve autorização para operar como banco ou qualquer outro tipo de instituição financeira no país. (Imagem: Banco Central do Brasil)

Mêntore Bank e a Febraban

Federação Brasileira de Bancos (Febrabanfoi procurada nesta quinta-feira (27/02) para esclarecer a situação do Mêntore Bank. Questionamos se a instituição está entre as associadas, em qual categoria se enquadra e se pode ser classificada como banco, banco digital ou instituição financeira. Aguardamos a resposta, que será incluída na atualização da matéria.

Mêntore Bank não dispõe de capital social mínimo para ser Banco Digital, segundo o Banco Central

Banco Central do Brasil estabelece diretrizes para a constituição e operação de instituições financeiras no país, garantindo a estabilidade do sistema. Cada tipo de instituição possui exigências específicas de capital mínimo, variando conforme sua estrutura e atividades. 

No caso do Mêntore Bank, seu capital social é de apenas R$ 5,3 milhões. Como pode ser verificado nos dados abaixo, esse valor não atende aos requisitos para classificação como banco comercial ou múltiplo.

magem dos dados cadastrais do Mêntore Bank na Receita Federal. Exibe informações como CNPJ (32.343.119/0001-53), razão social (MENTORE BANK INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO SA), nome fantasia (MENTORE BANK), data de abertura (03/01/2019), natureza jurídica (Sociedade Anônima Fechada), situação cadastral (Ativa desde 03/01/2019), tipo de unidade (Matriz), enquadramento de porte (Sem Enquadramento) e capital social (R$ 5.300.000,00). A imagem também menciona que a empresa foi excluída do Simples Nacional e não opta pelo MEI.

A seguir, apresentamos um resumo das instituições financeiras, suas formas de constituição e os requisitos de capital para funcionamento:

Bancos comerciais

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: R$ 17.500.000 (+ R$ 6.500.000 para operações no mercado de câmbio, com redução de 30% para bancos fora do Rio de Janeiro e São Paulo)

Banco múltiplo

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: Somatório do capital exigido para as carteiras correspondentes (+ R$ 6.500.000 para operações no mercado de câmbio, com redução de 30% para instituições fora do Rio de Janeiro e São Paulo)

Bancos de desenvolvimento

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: R$ 12.500.000 (+ R$ 6.500.000 para operações no mercado de câmbio)

Bancos de câmbio

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: R$ 7.000.000

Companhias hipotecárias

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: R$ 3.000.000

Sociedades de arrendamento mercantil (leasing)

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: R$ 7.000.000

Sociedades corretoras de câmbio

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima ou Limitada
  • Capital Mínimo: R$ 350.000 (com redução de 30% para instituições fora do Rio de Janeiro e São Paulo)

Sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima ou Limitada
  • Capital Mínimo: R$ 550.000 (ou R$ 1.500.000 se habilitada para certas operações, com redução de 30% para instituições fora do Rio de Janeiro e São Paulo)

Sociedades de crédito, financiamento e investimento

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: R$ 7.000.000

Sociedade de crédito ao microempreendedor e à empresa de pequeno porte (SCMEPP)

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima ou Limitada
  • Capital Mínimo: R$ 1.000.000

Sociedades de empréstimo entre pessoas – (SEP) ou Fintech

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima
  • Capital Mínimo: R$ 1.000.000

Sociedades de crédito direto – (SCD) ou Fintech

  • Forma de Constituição: Não especificado
  • Capital Mínimo: Não especificado

Cooperativas de crédito

  • Forma de Constituição: Sociedade Cooperativa
  • Capital Mínimo:
    • Cooperativa Central de crédito e confederação de crédito – R$ 200.000
    • Cooperativa de crédito de capital social e empréstimo; e cooperativa de crédito clássica (filiada à cooperativa central de crédito) – R$ 10.000
    • Cooperativa de crédito clássica (não filiada à cooperativa central de crédito) – R$ 20.000
    • Cooperativa de crédito plena (filiada à cooperativa central de crédito) – R$ 2.500.000
    • Cooperativa de crédito plena (não filiada à cooperativa central de crédito) – R$ 5.000.000

Confederações de serviço

  • Forma de Constituição: Sociedade Cooperativa
  • Capital Mínimo: R$ 5.000.000

Associação de poupança e empréstimo

  • Forma de Constituição: Associação
  • Capital Mínimo: R$ 7.000.000

Administradora de consórcios

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima ou Limitada
  • Capital Mínimo:
    • R$ 400.000 para grupos de bens móveis ou serviços
    • R$ 1.000.000 para bens imóveis

Instituição de pagamento

  • Forma de Constituição: Sociedade Anônima ou Limitada
  • Capital Mínimo:
    • R$ 2.000.000 para cada uma das modalidades: emissor de moeda eletrônica, emissor de instrumento de pagamento pós-pago e credenciador
    • R$ 1.000.000 para a modalidade iniciador de transação de pagamento
    • Instituições que participem exclusivamente de arranjo de pagamento fechado devem integralizar capital mínimo de R$ 3.000.000

Gestor de banco de dados

  • Forma de Constituição: Pessoa Jurídica
  • Capital Mínimo: R$ 100.000.000 (mínimo exigido por lei)

Banco Digital vs. Fintech: Enquadramento Regulatório no Brasil

confusão entre os termos “banco digital” e “fintech” é comum, mas essas categorias possuem diferenças regulatórias importantes. O caso do Mêntore Bank ressalta a necessidade de compreender essas distinções.

Banco Digital

  • É um banco tradicional (comercial, múltiplo, de investimento etc.) que opera por canais digitais e sem agências físicas.
  • Precisa de autorização do Banco Central do Brasil (BCB) e capital mínimo para funcionar.
  • Sujeito às mesmas regras e exigências dos bancos convencionais, incluindo normas de capital, compliance e fiscalização.
  • Pode captar depósitos, conceder crédito, operar câmbio e oferecer outros serviços bancários completos.

Fintech

  • Empresas de tecnologia financeira que atuam em diferentes segmentos, como crédito, pagamentos e investimentos.
  • Nem todas precisam de autorização do BCB, mas aquelas que operam com crédito ou pagamentos estão sujeitas a regulamentação específica.
  • Geralmente, possuem menos exigências regulatórias do que bancos.
  • Se dividem em categorias como Sociedade de Crédito Direto (SCD) e Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP).

Instituições de Pagamento (IPs)

  • Regulamentadas pela Lei nº 12.865/2013 e resoluções do BCB.
  • Não são consideradas instituições financeiras.
  • Prestam serviços de pagamento, como emissão de moeda eletrônica e carteiras digitais.
  • Não podem captar depósitos do público ou conceder empréstimos com esses recursos.

Principais Diferenças Regulatórias

  • Bancos Digitais precisam de autorização do BCB e seguem normas rigorosas.
  • Fintechs possuem modelos de negócio variados e algumas operam sem regulação específica.
  • Instituições de Pagamento não são bancos e operam sob regras diferenciadas.

Essa diferenciação regulatória deixa claro que nem toda fintech é um banco digital e que um banco digital, apesar da inovação tecnológica, deve seguir as regras tradicionais do sistema financeiro nacional.

Mêntore Bank na mídia

Como parte do trabalho do jornalismo investigativo, constatou-se que a empresa aumentou de forma relevante seu investimento em publicidade, incluindo anúncios em TVs como a GloboNews. Além disso, nas matérias, o Mêntore Bank é mencionado como instituição financeira, banco e banco digital. Em uma delas, da IstoÉ, seu CEO é identidicado com “banqueiro”.

Confira nos links de matérias recentes sobre o Mêntore Bank, incluindo a Wikipédia:

https://istoedinheiro.com.br/ceo-mentore-bank-aquino

https://exame.com/negocios/banco-digital-do-ceara-compra-carteira-de-concorrente-chega-a-faria-lima-e-quer-movimentar-r-28-bi

https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/mentore-bank-movimenta-r-10-bilhoes-no-ano-alta-de-120

https://nossomeio.com.br/mentore-bank-lanca-sua-primeira-campanha-nacional

https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%AAntore_Bank

Confira no vídeo a entrevista em que o CEO do Mêntore fala sobre o “desempenho do seu banco”.

Clareza e Transparência das Informações do Mêntore Bank

A investigação do Economic News Brasil revelou que, enquanto o Mêntore Bank se autodenomina um banco digital, o Banco Central afirma categoricamente que ele não é um banco e não possui autorização para atuar como instituição financeira. Essa discrepância levanta preocupações sobre a clareza e transparência das informações fornecidas aos clientes da empresa.

A transparência regulatória é essencial para garantir a segurança do sistema financeiro, evitando que consumidores sejam levados a acreditar que uma empresa possui autorização bancária quando, na verdade, opera sob uma regulamentação diferente.

O Economic News Brasil continuará acompanhando este caso e quaisquer atualizações regulatórias que possam impactar a atuação de fintechs no Brasil. Embora o Mêntore Bank não tenha respondido a tempo, ainda estamos abertos para receber esclarecimentos e incluir na atualizaqção da matéria.