sábado, 3 de fevereiro de 2024

Fortaleza, eleição, calçada, bicho e gente


“A calçada é a fronteira entre o público e o privado. Entre a casa e a rua. É onde começa o encontro entre o indivíduo e a comunidade, é onde começa a vida em sociedade. A casa é privada, a rua é pública, já a calçada é de obrigação privada, mas obedece a regras públicas. E o poder público fiscaliza, melhor dizendo, devia fiscalizar. O coletivo prevalece sobre o particular a partir da calçada.

Uma boa calçada produz vida, na medida em que vida é movimento de pessoas, de seres humanos repartindo um espaço ou uma experiência, uma palavra, um olhar que seja. As pessoas sabem o que significam as boas calçadas. Todo morador ainda é capaz de lembrar, a depender da idade, o tempo em que as pessoas sentavam-se e conversavam na brisa fresca da noite, com vizinhos. Ainda hoje se conhece o movimento vivo da rua Guilherme Rocha, o mesmo se pode dizer da rua Liberato Barroso ou da avenida Beira Mar – porque não há impedimentos ao fluxo, porque há alguma paisagem atraente ou fachadas que interessam e, principalmente, porque há outras pessoas, o que transmite vida, inspira e sugere segurança.

Por que os prefeitos não cuidam de calçadas? Por que preferem cuidar das ruas? As ruas recebem investimentos, as calçadas, não. Se o poder público não pode investir em calçadas (e pode, claro), que invista em regulação e fiscalização de calçadas.

O novo conceito das cidades de melhor qualidade de vida em todo o mundo são as “cidades caminháveis”. O próximo prefeito ou próxima prefeita da cidade precisará ter uma proposta concreta e crível para a calçada da cidade.

Ideias:

1. Que tal dar um desconto estimulante do IPTU para quem fizer uma calçada exemplar?

2. Que tal dar um desconto na contribuição da iluminação pública para quem fizer uma calçada exemplar?

3. Que tal dar algum estímulo (fiscal ou não) aos condomínios que melhorarem suas calçadas?

4. Que tal colocar a fiscalização com multas para as pessoas jurídicas que não cumprem as regras da boa calçada?

5. Que tal criar prêmios para quarteirões inteiros que fizerem a mais bela e funcional e civilizada calçada?

6. Que tal divulgar como deve ser uma calçada exemplar? Seria uma calçada boa para crianças e idosos?

Ideias não faltam. Que tal mobilizar toda a população nos 119 bairros para mudança rápida e radical da cidade, a partir das calçadas.

Aos candidatos ou candidatas a gerir a cidade, conto o que ouvi de um matuto de quase cem anos para explicar por que as calçadas de Fortaleza são tão hostis: “…no sertão calçadas eram altas e feias mesmo, de propósito, afinal sua função era conter cavalos, burros e jumentos, além de outros animais, para não entrarem nas residências e nas casas comerciais — as calçadas hoje parecem feitas para afastar gente e bicho…”.

Não vote em quem não se dispuser a enfrentar esta questão na Câmara de Vereadores ou na Prefeitura.”

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.