O Poder Judiciário assumiu na recente quadra histórica brasileira um protagonismo que não derivou do ímpeto individual de nenhum magistrado, mas das contingências do momento, ora surgidas da omissão de outros atores, ora oriundas da dificuldade na construção de consensos – sem a qual as fissuras naturais do tecido social se tornam necessariamente chagas abertas.
Vivemos hoje o alvorecer de um tempo em que as tensões devem ser mitigadas e o diálogo precisa se colocar como meta permanente, em prol do entendimento e da pacificação: único caminho para a resolução dos gargalos que ainda nos prendem ao subdesenvolvimento enquanto nação. Apenas nesse contexto de busca de convergências, e de abandono de hostilidades, é que o Poder Judiciário poderá se desvencilhar do encargo de arbitrar questões que os agrupamentos políticos – para o bem da democracia representativa – teriam de dirimir por si mesmos.
Tal posição de destaque colocou a magistratura na mira da incompreensão de parcela da sociedade, que desconhece a essencialidade de nossa função. Juízes trabalham incansavelmente em todos os cantos do país para distribuir justiça com dedicação, amor e responsabilidade ética, no entanto, com frequência, são mal interpretados e atacados – inclusive, com atentados à sua segurança pessoal e de seus familiares. Como integrantes de qualquer classe de trabalhadores, os magistrados podem se equivocar. Passíveis de recursos, suas decisões não podem se converter em objeto de vilipêndio, bravatas e tentativas de intimidação.
As prerrogativas da magistratura constituem, na realidade, garantias da cidadania. Por esse motivo, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), maior entidade da categoria no mundo, ciente da imersão do Poder Judiciário neste novo tempo, tem por foco a figura do juiz – que se converte nos pontos de partida e de chegada de todas as nossas ações. Só assim prosseguiremos firmes na missão de aplicar a legislação, assegurar os direitos fundamentais da população e proteger o Estado Democrático de Direito e a força normativa da Constituição da República.
É hora, pois, de as atenções se voltarem para a reestruturação da carreira, que passou por um processo de aviltamento proporcional (paradoxalmente) à centralidade ocupada pelo Poder Judiciário no debate político nacional dos últimos anos. As perdas sucessivas, acumuladas mês a mês, não somente afetam a permanência dos bons quadros na magistratura – e a atração de novos talentos – como também afrontam dispositivos constitucionais expressos.
A corrosão dos direitos e das prerrogativas da magistratura é capaz de ferir, com gravidade, a própria independência judicial e a harmonia entre os Poderes. Afinal de contas, um Poder Judiciário desvalorizado e debilitado, sem condições de ofertar aos seus membros estrutura de trabalho e remuneração compatíveis com as responsabilidades do cargo, não serve aos interesses do jurisdicionado – o qual demanda um julgamento imparcial e imune a pressões de qualquer espécie.
Frederico Mendes Júnior, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
(Estadão)