quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Carta ao Padre Pitombeira


“Há um grande vazio na Academia Limoeirense de Letras. Mais do que a cadeira número 7, que era ocupada pelo Padre Pitombeira, nossa Academia perdeu sua maior referência, seu principal mentor intelectual, sua grande fonte de inspiração. Para além disso, ouso dizer que se não fosse o Padre Pitombeira não haveria uma academia de Letras. Limoeiro do Norte se despede neste momento de Francisco de Assis Pitombeira. Mas, a bem da verdade, sua presença continuará sendo sentida por muitas e muitas gerações. Durante 60 anos o Padre Pitombeira dedicou sua vida a dois sacerdócios: o sacerdócio da igreja e o sacerdócio da educação. É impossível prestar uma justa homenagem ao Padre Pitombeira num discurso, por mais longo e abrangente que seja. A grandeza, o alcance e os desdobramentos do trabalho sacerdotal deste homem dariam um livro, e ainda assim sobrariam muitas histórias para serem contadas a seu respeito. Poderíamos nos estender fazendo menção aos incontáveis alunos que fizeram parte da história do Colégio Diocesano, desde a época em que o latim era ensinado (pelo Padre Pitombeira) até recentemente quando o Padre ministrava aulas de português e espanhol. Ao longo de 60 anos, o Padre Pitombeira foi imprimindo sua marca no DNA desta cidade. Todos aqueles que passaram pelas mãos do Padre Pitombeira aprenderam a lidar não só com as dificuldades da língua portuguesa, mas também com os desafios da vida. Um mestre na melhor acepção da palavra! Assim foi o Padre Pitombeira, com seu jeito próprio de ser, esquivo a elogios e a homenagens. Sapesista confesso e incorrigível... Usando aqui o linguajar de Patativa do Assaré, diria que o Padre nunca negou o seu “naturá”. Um tanto sarcástico, irônico e sem meias palavras, o certo é que nós limoeirenses acabamos nos afeiçoando ao modus vivendi e ao modus dicendi (ou seja, à maneira de falar) do Padre Pitombeira... E assim, ao longo do tempo fomos assimilando um pouco da sua verve, um bocadinho da sua visão do mundo, um pouco também da sua cultura, do seu gosto musical, literário e artístico. Não é preciso ter uma percepção mais aguçada para percebermos essas marcas do Padre tatuadas em nossas vidas. Basta se encontrar com um ex-aluno seu para constatar certas influências, certas marcas do Padre, tais como um zelo pela língua portuguesa, uma certa preocupação com o uso retórico de determinadas expressões e frases de efeito, até mesmo o emprego de sinônimos e palavras mais eruditas, demonstrando ao mesmo tempo o cultivo da última flor do Lácio e uma influência, ainda que remota, da língua latina. Ah, Padre Pitombeira, você não deixaria por menos, não é mesmo? Você, Padre, representa para esta cidade o rio que fecundou nossas vidas, o rio que oferecia sempre águas fecundas, modificando nosso ser, nosso conhecimento, nossa visão do mundo... Suas águas, Padre Pitombeira, inundaram nossa vida. Suas águas, Padre Pitombeira, fecundaram nossa gente. Peço sua permissão, Padre, para compará-lo ao Jaguaribe, o rio dos jaguares... Como as águas do rio Jaguaribe, você nunca se conteve, promovendo sempre suas enchentes de sabedoria e conhecimento. Você, Padre, sempre transbordou, fosse no altar, fosse na sala de aula, na oratória líquida e perene do seu verbo, que se fez muito maior, como a Lua que se reflete nas águas mansas para se fazer maior, iluminando nosso ser, nossa vida, nossos dias.

Obrigado, Padre Pitombeira, por tudo o que você fez por nossa gente, pelos nossos filhos, pelo nosso futuro. Obrigado pelas lições de literatura, de português, de latim. Obrigado pelas lições de vida. Obrigado pelas lições para o corpo e para a alma, para os dias de abundância e para os dias de escassez, para as horas de luz e para os instantes de escuridão. Obrigado por ter sido nosso pai intelectual e espiritual. Obrigado por ter sido nosso irmão mais velho, aquele que puxa a orelha na hora certa, mas também aquele que abraça no momento em que a alma precisa de acalanto. Obrigado, Padre Pitombeira, pelas lições de humildade e de caridade silenciosa. Seu último sermão e sua última aula têm a eloquência do seu silêncio. Acontece, Padre, que seu silêncio não é vazio: ele é preenchido pela nossa voz, pela voz de cada discípulo seu, de cada ex-aluno seu, de cada fiel, de cada pessoa em que sua semente brotou e floresceu.

Muito obrigado, Padre Pitombeira!”

Társio Pinheiro

Limoeiro do Norte, 2/8/2022.