domingo, 7 de junho de 2020

Impeachment ou renúncia

Arnaldo Santos  
Jornalista, Sociólogo e Doutor em Ciências Politicas


O comportamento errático do Presidente Bolsonaro, em relação ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal, bem como a sua intolerância para com a imprensa, e a maneira desrespeitosa e agressiva como trata os jornalistas, em particular, é de domínio público e não constitui mais surpresa para ninguém.
Reafirmando seu comportamento rude, quase diariamente, ele faz questão de se mostrar como um homem, “culturalmente analfabeto, politicamente ignorante e socialmente insensível”. A atitude que assume em relação aos mortos pelo coronavírus confirma sua insensibilidade e desprezo pela vida!

A cada final de semana, na Esplanada dos Ministérios, a Nação assiste estupefata ao teatro “Os horrores no universo bolsonarista”, onde algumas centenas de “bolsomínios”,  em um estado de histeria coletiva, atentam contra a democracia e a cidadania. De maneira quase ensandescida, desfiam e violentam as instituições republicanas, demonstrando total desprezo aos mais elementares padrões civilizatórios.

Seus “escassos recursos mentais” e “atalhos cognitivos” contribuem para que o Presidente assim se comporte e tome decisões agudamente influenciadas pelos poucos que o cercam, especialmente pelos seus filhos, padecentes de dupla ignorância! A cada dia o conceito adotado pelo Governo “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, vai se transformando em “minha família acima de tudo, meus filhos acima de todos”!
Hoje refletiremos com o leitor sobre como o clã bolsonarista se diverte, jogando patuscada, e, de maneira cada vez mais ácida, corrói a democracia e as estruturas da República, sobre as quais pretendem erigir seu modelo protofascista de governar, claramente “eugenista”, para quem o número de quase 35 mil mortos pelo coronavírus é algo absolutamente normal e natural! “Faz parte da vida”, assim pensa Presidente. Não é!

Na última semana, o “sismógrafo” político nacional registrou mais um abalo sofrido pela República, provocando mais um robusto solavanco à democracia, ocasionado por essa bravata: “não é uma questão de se, mas de quando isso vai acontecer”! Essa frase foi pronunciada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente, mais uma vez ameaçando a Nação, quando afirmou que seu pai terá que tomar “medidas mais enérgicas”. Forçoso é admitir que ele tem razão!
Sua frase cada vez mais passa a fazer sentido. Já não é mais uma questão de se, mas de como e quando o Presidente deixará o governo, do qual virou o próprio espantalho, assombrando até mesmo muitos milhões de “bolsomínios”, que o elegeram, e viram a “nova política” se transformar no “centrão”, e o combate à corrupção em conto do vigário, isto é, do Bolsonaro. A discussão agora é: será pelo impeachment ou pela renúncia?

Para os mais renomeados juristas e lideranças politicas do País, os fatos acumulados até aqui criaram as condições jurídico-politicas para admissibilidade de abertura de um processo de impeachment, para investigar o Presidente Bolsonaro, na Câmara do Deputados. O que a sociedade brasileira se pergunta é o que o deputado Rodrigo Maia ainda está esperando?  
Depois dos últimos atentados à democracia e às instituições, no último final de semana, quando sobrevoou de helicóptero sobre os pequenos mas ruidosos grupos “neofascistas” que o esperavam na Esplanada dos Ministérios, e depois desfilou a cavalo por entre eles (existe aí uma forte relação identitária); onde pela primeira vez exibiram símbolos “nazistas”, e da Ku Klux Klan, as tochas acesas que portavam também acenderam a sociedade civil, e até os comandos das forças armadas, que, segundo o noticiário publicado pela mídia grande, parecem ter chegado ao limite da tolerância com as bravatas e ameaças do Presidente, e de seus filhos, aprendizes de protofascistas!
O desprezo pela ética na política e aos princípios republicanos é de tal ordem, nesse governo, que cabe um apelo aos homens de boa vontade no sentido de que sejamos um pouquinho “tolerantes”, e percebamos que esse governo não é feito só de ações desrespeitosas e afronta a Constituição.

Fora do universo bolsomínio, é preciso que os cidadãos comuns deixem de lado algumas “eventuais divergências” político-ideológicas que nutrem em relação ao governo do Presidente Bolsonaro, para reconhecer, sem nenhum favor, a transparência com que atua na cooptação não só dos políticos e seus apadrinhados com cargos e volumosos orçamentos nos ministérios e órgãos públicos - como Banco do Nordeste, DNOCS e outros - bem assim de autoridades da área jurídica com a promessa de indicação para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. A pergunta é se o Presidente ainda terá tempo à frente do governo para todas essas indicações.

No meio jurídico, já são três os felizardos, contemplados com a promessa de indicação para uma vaga no STF, feita em rede nacional de televisão, e pelas mídias digitais (antes de tudo isso era feito nos bastidores), obedecendo ao que preceitua o princípio da publicidade e da transparência, que esse governo leva a efeito até para os atos de cooptação! Aqui também reside uma modalidade de corrupção!
O último agraciado com tal promessa foi o Procurador Geral da República, Augusto Aras, em meio à tramitação de um pedido de abertura de processo para investigar o Presidente Bolsonaro, sobre o qual ele terá obrigatoriamente que se pronunciar, pela admissibilidade do processo ou seu arquivamento. Até que ponto essa tentativa de cooptação do Presidente vai interferir no parecer do Procurador, teremos que esperar para conhecer.
A transparência dada pelo Governo a essa tentativa de aliciamento do Procurador foi de tal ordem que resvalou para o despudoramento de uma visita inesperada e fora da agenda, feita pelo Presidente à Procuradoria, deixando seu titular, Augusto Aras, que é “terrivelmente” evangélico, “terrivelmente” constrangido. Ou não!
Sobre essas indicações para ocupar uma vaga de Ministro no STF, não é fora de propósito lembrar que o último “cooptado”, com tal promessa, feita pelo então candidato Bolsonaro, ainda durante a campanha, desde que tirasse da disputa o também candidato Luiz Inácio Lula da Silva, largou até uma carreira de 23 anos na magistratura, e o final dessa desvergonhada história todos conhecem.

Enganam-se, contudo, aqueles que pensam que esse agudo processo de cooptação se dá apenas no âmbito da “nova política”, com o “centrão”, que elevou os ex-deputados federais Roberto Jeferson, Valdemar Costa Neto, e o atual Senador pelo Estado do Piauí, Ciro Nogueira, abjetas figuras da política brasileira, denunciados pela “Lava jato”, à condição de dignos representantes e condutores da gestão de vários órgãos importantes desse governo.
É preciso atentar para as várias incursões que o Presidente tem feito, nos meios castrenses, com a mais ampla distribuição de cargos para militares de várias patentes em seu gabinete e na Esplanada dos Ministérios, desde a redemocratização do País. São tantos que, de qualquer porta que se abra nos gabinetes do Palácio do Planalto, sai um militar.
O jornalista e escritor Magno Martins, da Gazeta do Povo, publicou em seu blog na edição no último dia primeiro, que, além dos vários ministérios, o Presidente Bolsonaro já distribuiu mais de três mil cargos comissionados entre os militares, muitos deles sem qualquer experiência e formação técnica para exercê-los, como ficou demonstrado com muitos dos que foram nomeados para o Ministro interino da saúde, em plena pandemia.
A propósito dessas milhares de nomeações de militares para o Governo, que, segundo a matéria assinada pelo jornalista, causa muitos incômodos e constrangimentos entre os comandantes da Forças Armadas, que veem essas nomeações como uma tentativa espúria de aliciamento, com o objetivo claro de obter apoiamento para suas tentativas de quebra da ordem institucional, se somam ainda a insatisfações anteriores, provocadas pelos filhos do Presidente, quando impuseram humilhações públicas aos generais Santos Cruz e Hamilton Mourão.
Além de todo o incômodo, a percepção e a desconfiança de que com essas nomeações o Presidente estaria tentando aliciar os meios militares em troca de apoio para pôr em prática a sua intenção de autogolpe, ou até mesmo estimulando uma impensável guerra civil, teria motivado a convocação de uma reunião com todos os militares de alta patente, das três forças, e que por unanimidade decidiram comunicar ao Presidente que não apoiaram qualquer ação que não seja estritamente com base no que assegura a Constituição, tendo inclusive decidido encontrar uma opção para a renúncia do Presidente, com uma transição democrática liderada pelo vice-presidente Hamilton Mourão.