quarta-feira, 25 de março de 2020

Se ficar o bicho pega...


Há circunstâncias em que escolhas possíveis ocasionam prejuízos. A sabedoria popular as descreve dizendo que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

O coronavirus tem infectividade elevada, que é poder de contágio. Tem patogenicidade baixa, ensejando grande número de infectados assintomáticos, que permanecem socialmente ativos, contagiando pessoas. Tem virulência suficiente para ocasionar quadros clínicos severos na grande parcela da população fragilizada por comorbibidades ou pelo envelhecimento.

O mundo globalizado, marcado por grande mobilidade geográfica e pelo adensamento populacional das grandes cidades são fatores que levaram alguns pesquisadores a manifestar preocupação, com bastante antecedência, com o potencial de pandemia dos vírus do gênero, família ou classe, seja qual for a taxionomia, coronavirus.

Idosos, imunodeprimidos, como transplantados, HIV positivos, diabéticos, cardiopatas, asmáticos e outros, formam um contigente de grandes proporções. Daí a farta colheita das Parcas.

Uma canção infantil dizia que:


 “Uma vez três rapazinhos / se perderam no caminho / quando viram no fim da estrada / apareceu um lobisomem / o primeiro fugiu correndo/ o segundo subiu num cercado / o terceiro ficou tremendo/ foi pegado e devorado”.

A sabedoria era procurar abrigo ou fugir, sob pena de ser devorado. Se ficar o bicho come. O mundo decidiu não ficar parado. Correr, no caso, é ficar parado como proteção.

O dia em que a terra parou, de Raul Seixas, tornou-se realidade. Pararam ou reduziram drasticamente o movimento escolas, teatros, cinemas, circos, bares, transporte público, restaurantes, campeonatos, tudo. Entretenimento, cultura, indústria, transporte, comércio.


Até o Congresso parou. Fronteiras internacionais e divisas interestaduais foram fechadas. Ficar parado, ficar em casa, adquiriu o sentido de fugir correndo. Afinal, ficar tremendo é esperar para ser devorado. Se ficar o bicho come.

Desemprego, corte parcial de salários, queda do consumo de bens e serviços, pagamento de prestações da casa própria, aluguéis, tributos, conta de luz e água, tudo adiado. Taxa condominial? Não sei. A União é chamada a suprir os problemas de caixa do dia em que a terra parou, socorrendo assalariados, empresas, estados federados e municípios. Faltou alguém?

Sim. Quem socorrerá o caixa da União, o grande Leviatã? O aumento da dívida é a saída? Quem irá financiá-lo? Baixaram os juros. Há candidatos a mutuantes do erário quebrado e a juros baixos? Os juros voltarão a subir, em algum momento? A recessão global diminuirá as exportações. O câmbio subirá mais ainda? Desvalorização cambial e juros, mais déficit público gigantesco lembram inflação. Haverá emissão para “cobrir” o déficit?

As respostas a estas e outras indagações são necessárias para que a solução de “fugir correndo” não corresponda a parte da parêmia que diz: se correr o bicho pega. É preocupante que até agora não tenham sido dadas explicações indicativas das soluções que impedirão o bicho de nos pegar.

Somas muito elevadas são mencionadas como parte da solução. Problemas são dados como mitigados pelo uso da cifras aludidas. Discute-se quem deve ser socorrido, quanto deve ser usado para socorrer.

O problema prático, porém, exige, para ser resolvido, resposta para duas perguntas: qual será o custo? De onde vira o dinheiro? A primeira parte tem sido tratada com muita desenvoltura. Falta esclarecer a segunda questão. Ninguém responde. Todos temem ser apontados como argentário, impiedoso, cruel. Há quem fale, todavia, limitar as medidas aos grupos vulneráveis, mitigando o impacto econômico e social.