Rui Martinho Rodrigues-Tragédias são rotina em nosso país. Nem as crianças escapam da violência. Temos uma guerra. Exércitos do crime controlam territórios, impõem leis, despejam famílias de suas residências, matam inocentes, matam agentes de segurança e matam uns aos outros. Policiais matam bandidos, matam inocentes e morrem. A escala é de guerra. Dados divulgados na imprensa informam ter havido 5.012 mortes causadas por policiais em todo o Brasil em 2017, número 19% maior do que no ano anterior.
O número de policiais assassinados em 2017 teria sido 385, representando uma queda de 8%. Apesar da queda registrada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, comparando com as 2.216 baixas do exército dos EUA em 18 anos de guerra no Afeganistão, com uma média anual de 124,8 baixas por ano, temos um quadro assustador. As baixas das nossas forças de segurança em 2017, apesar de 8% menores que as do ano anterior, superam em mais de três vezes as perdas dos EUA na guerra citada.
Pode-se alegar que os efetivos das nossas forças de segurança são muito maiores que os do exército americano no país asiático. Hoje sim, mas na média das perdas americanas estão incluídos anos em que o efetivo das tropas estadunidenses chegou a ser grande. Atualmente são pequenos, mas têm uma participação secundária nos confrontos que hoje são protagonizados principalmente pelos próprios afegãos.
Tivemos, no primeiro semestre de 2019, 21.289 assassinatos. No mesmo período do ano anterior foram 27.371. A queda foi de 6.082 homicídios. Não foi dada a devida atenção, por algum motivo, a um dado tão expressivo. Tivemos mais mortes nos confrontos, mas o total de mortes evitadas foi de 6.082.
Toda guerra é cruel. Mas não devemos nos tornar indiferentes às tragédias e ao sofrimento. A morte de crianças entre as perdas colaterais deve ser objeto do maior esforço para punir eventuais culpados na forma da lei. O preparo dos agentes de segurança deve ser melhorado. O planejamento das operações policiais deve ser aperfeiçoado. As perdas colaterais podem ser reduzidas, mas não zeradas.
O debate se desloca para as políticas públicas como forma de redução da criminalidade. A criminalidade é complexa demais para ser resolvida apenas com um gênero de medidas. Havendo controle de território pelo exército oponente; disputa pelo monopólio da violência e da função legiferante o uso da força é necessário. O cangaço foi combatido exitosamente em pouco tempo depois que foram adotados procedimento extremamente duros, inclusive no controle da corrupção policial.
Soldados americanos enviados ao Iraque e Afeganistão permanecem na frente por alguns meses. No Vietnam passavam um ano. Nossos policiais passam décadas na frente e as suas famílias estão expostas. É preciso oferecer segurança jurídica para os nossos combatentes.
Soldados não podem ser considerados criminosos segundo os mesmos critérios adotados na vida civil em tempo de paz. Policiais têm três caminhos: combater, omitir-se ou associar-se ao crime, vivendo menos perigosamente e ganhando participação no rendimento dos delitos.
É “plata o plomo” (prata ou chumbo), conforme a escolha oferecida pela máfia colombiana aos agentes de segurança. Quem escolhe honrar a profissão e agir honestamente precisam de amparo. “Guerreiros são pessoas/São fortes, são frágeis/Guerreiros são meninos/(...)/Precisam de um remanso” (Gonzaguinha - 1945-1991).
Não se faz guerra sem legislação especial, que é inconveniente e deve ser provisória. Explorar politicamente as tragédias é um grave erro. Não nos deixemos iludir.
advogado, professor, cientista político, doutor em história , mestre em sociologia e Presidente Emérito da ACLJ